Por Luís Roberto Barroso
Sou filho de mãe
judia e pai católico. Cresci indo a sinagogas e igrejas. Aos 15 anos, fiz um
intercâmbio no exterior e vivi com uma adorável família presbiteriana. Ao fazer
meu mestrado na Universidade Yale, nos Estados Unidos, meu vizinho de porta e
amigo era muçulmano, da Arábia Saudita.
Desde cedo aprendi a
conviver com a diversidade e a apreciá-la. Ao longo do tempo, reforcei a minha
convicção de que as pessoas são essencialmente iguais. Não consigo imaginar
nada mais triste para o espírito do que uma pessoa se achar melhor do que a
outra, seja por sua crença, cor, sexo, origem ou por qualquer outro motivo.
No Supremo Tribunal
Federal, sou relator de uma ação direta de inconstitucionalidade na qual se
discute o papel do ensino da religião nas escolas públicas. Há basicamente duas
posições em debate.
De um lado, há os que
defendem que o ensino religioso possa ser ligado a uma religião específica, sendo
ministrado, por exemplo, por um padre, um pastor ou um rabino. É o que se chama
de ensino religioso confessional.
De outro, há os que
sustentam que o Estado é laico e que o ensino de religião tem de ser de caráter
histórico e plural, com a apresentação de todas as principais doutrinas. Isto
é: não pode ser ligado a um credo específico.
São diferentes formas
de ver o papel da educação religiosa. Ao Supremo Tribunal Federal caberá
determinar qual dessas duas posições realiza mais adequadamente a vontade constitucional.
A Constituição não
tem uma norma expressa a respeito, mas prevê a existência de ensino religioso
facultativo, assim como prevê que o Estado é laico e que não deve apoiar ou
embaraçar qualquer culto.
Convoquei para esta
segunda-feira (15/6), no Supremo, uma audiência pública para debater o tema e
convidei representantes de todas as principais religiões no país. Com essa
iniciativa, busco promover um debate aberto e plural, no qual pretendo colher a
opinião de todos.
Também se inscreveram
pensadores religiosos, leigos e ateus, que igualmente serão ouvidos. Em
seguida, farei um relatório com as principais posições e apresentarei meu voto
em Plenário.
Há três grandes
valores em questão. O primeiro é a liberdade de religião, a possibilidade
legítima de se professar uma crença e pretender conquistar adeptos para ela.
O segundo é o dever
de neutralidade do Estado, que deve se abster de promover qualquer religião,
bem como de dificultar o seu exercício.
O terceiro valor
envolve o papel da religião na educação e no espaço público, no âmbito de um
Estado democrático e de uma sociedade multicultural.
A vida civilizada
aspira ao bem, ao correto e ao justo. Há os que buscam esse caminho em
princípios religiosos. Há os que o procuram na filosofia moral. Muitas pessoas
combinam ambas, a verdade revelada e a ética. E há muitos que professam um
humanismo agnóstico ou ateu.
A verdade não tem
dono, e o papel do Estado é assegurar que cada um possa viver a sua convicção,
sem a exclusão do outro. O caminho do meio, feito do respeito ao próximo e da
tolerância.
Como ensinam o Velho
Testamento, os evangelhos, o budismo, Aristóteles, Immanuel Kant e todos
aqueles que viveram para um mundo melhor e maior.
Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo do último domingo (14/06)
Fonte: COJUR-Consultor
Jurídico
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